Triste Fim
Vitória Queiroz de Souza*
Allan,
como muitos o chamavam, tinha onze anos quando começou a trabalhar como
“flanelinha” no centro urbano de São Paulo. Tinha dois irmãos: Júlia e Adan.
Sendo o mais velho dentre eles, trabalhava com os pais para sobreviver. A
situação ficou mais trágica depois que um incêndio atingiu o casebre, matando
seus pais. Os três irmãos passaram a viver debaixo de um viaduto. Compartilhavam
tal situação com tantos outros que, como eles, tiveram negado o direito a um
lar digno.
O
menino trabalhava demasiadamente. Às cinco horas da manhã, acordava. Ou a fome
o acordava. Era fácil demais acordar,
pois os carros já estavam a fazer um barulho que espantava até o frio. E mesmo
exausto, era quase impossível dormir. O chão úmido e sujo por vezes o deixou a
desejar uma cama quente e confortável.
Em
um desses dias de fome e cansaço, que não conseguiu levantar para trabalhar,
com uma dor no estômago, que o paralisava totalmente. Tinha que acordar sua
irmã.
_
Júlia, é você quem irá pedir comida num daqueles pontos. Eu já não
aguento.
Apesar
de ter apenas sete anos, a menina inteligente e de perguntas inusitadas, ainda
abrindo os olhos, não hesitou em perguntar:
_
Allan, você tem vontade de estudar, com os outros meninos?
Pasmo
com a pergunta, Allan não queria, de modo algum, que ela se decepcionasse ao
descobrir que o mundo é repleto de impossibilidades, coisas que agem como
vermes prontos para destruir os sonhos infantis. Então ele disse do desejo que sentia
de estudar e de ter um lar no qual pudesse brincar, ter lazer e família, ter
livros e cadernos, enfim, ter tudo aquilo que algumas crianças têm e que,
muitas vezes, desprezam. E os de Allan, quase sempre alegres, de repente se
tornaram tristes, tristes...
_
Bom, disse ele, cuidemos da nossa vida, não é certo? E afagando a cabeça da
irmã, Allan emite para ela um sorriso forçado.
A
menina saiu, então, à procura de comida, e logo encontrou um senhor a quem
pediu, com voz trêmula, algo para comer. Recebeu dele uma pequena quantia em
dinheiro e agradeceu com um largo sorriso, saindo saltitante, como quem
encontra um tesouro perdido, e foi em busca de comprar alimento. O seu rosto
era só gratidão, sentimento que, por estupidez ou ignorância, não valorizamos
nas pequenas coisas.
E
na manhã seguinte a terrível rotina de Allan voltaria a se repetir. Chegaria,
mais uma vez, a hora de pegar os velhos panos, a garrafa com água retirada da
fonte ali pertinho e esperar, com outros meninos, pelo pontinho vermelho do
semáforo, o sinal verde para a hora de limpar os para-brisas e receber a
gratificação tão esperada. Em meio ao trânsito e ao sofrimento, há nele a
esperança de que tudo mudará para melhor. Não é preciso um triste fim para quem
vive triste. Ali ele vai idealizar a vida que deseja para si e para os irmãos,
sonho de menino que só estremece diante do olhar indiferente dos enxergam
diariamente tantos Allans e nada fazem.
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